Friday, June 01, 2007

Reconhecendo a Natureza da Mente


S.E. Chogye Trichen Rinpoche (1920-2007)

Sob circunstâncias comuns, não é necessário falar da Visão muito diretamente. Então geralmente, em muitos textos e ensinamentos, são dadas explicações indiretas. Quando um mestre oferece uma iniciação a um grupo grande, muitas vezes ele pode dar apenas uma explicação geral, breve, da Visão das quatro iniciações.

Se o significado for explicado claramente, podemos obter um entendimento experiencial da nossa própria consciência (rang-gi rig-pa'i nyam-myong). Sem esta experiência de consciência, nossa prática de vacuidade seria inerte como o espaço físico, sem conhecer nada.

O significado real da sabedoria primordial autoconhecedora (ran-gi rig-pa'i ye-she) não pode ser compreendido intelectualmente. Através do recebimento das bênçãos e das instruções orais (men-ngag) do Guru, que devem ser colocadas em prática, é que seremos capazes de reconhecer a verdadeira natureza da mente. Enquanto os textos escolásticos são úteis para se obter uma idéia geral sobre a verdadeira natureza da mente, a natureza da mente é inexprimível (jö-med, jö-du med-pa). A natureza da mente só pode ser experienciada por si mesmo através da própria prática. O estudo leva à prática de meditação, e a prática leva à experiência genuína do significado da Visão.

Estes ensinamentos pertencem à linhagem da prática (drub-gyü), à linhagem da realização experiencial (thug-dam nyam-zhe-kyi gyü-pa). Isto deve ser assim, pois a verdadeira natureza da mente é livre de todas as elaborações e construções intelectuais (trö-drel). Em outras palavras, ela deve ser experienciada por si mesmo no estado livre de pensamentos (tog-me ngang).

A consciência (rig-pa) só pode ser entendida através do recebimento da instrução do Guru e então da prática de acordo com esta instrução. Se praticarmos bem, bênçãos são recebidas. Através das bênçãos e da aplicação das instruções orais do Guru quanto à verdadeira natureza da mente, somos capazes de reconhecer a consciência (rig-pa) e de sustentar a Visão (ta-wa kyong-wa).

Alguns mestres podem introduzir os discípulos à natureza da mente por uma variedade de meios. Eles podem introduzi-la através dos seus olhares ou através de gestos. Um som elevado como um trovão que assusta a todos pode ser habilmente utilizado por um mestre como uma ocasião para introduzir a natureza da mente. Uma vez que surja o estado livre de pensamentos, o mestre instrui os discípulos a permanecem nesse estado.

Para aqueles que são capazes de permanecer no estado livre de pensamentos, a introdução à consciência pode ser dada. O mestre nos diz que, enquanto a mente é vazia, a consciência autoconhecedora (rang-gi rig-pa) também é capaz de reconhecer a si mesma dentro do estado da vacuidade.

A verdadeira natureza da mente é difícil de se expressar em palavras ou de verdadeiramente se ilustrar através de exemplos. Isto é assim porque ela é muito sutil. Entretanto, por necessidade, a natureza da mente é muitas vezes introduzida simbolicamente. Há muitos exemplos usados nos ensinamentos, mas estes são apenas indicações para apontar o que deve ser reconhecido.

Por exemplo, é dito que a consciência (rig-pa) é como um vajra ou diamante, significando que ela tem o poder de cortar qualquer coisa. A consciência pode cortar através dos pensamentos, assim como um diamante pode cortar qualquer coisa, porém não pode ser quebrado por nada. Do mesmo modo, a consciência não pode ser quebrada, ferida ou perturbada pelos pensamentos.

Um outro exemplo é que a natureza da mente é dita como sendo semelhante ao meio do espaço. Enquanto ela é como o espaço vazio, ela não é uma vacuidade inerte, sem conhecimento. A verdadeira natureza da mente possui o aspecto da claridade (sal-cha), então há a qualidade do conhecimento vazio (sal-tong), diferente do espaço físico que não conhece nada. Diz-se que a consciência é como o meio do espaço porque ela não pode ser apontada. Quando você tenta apontar a natureza da mente, ela desaparece; ela não pode ser localizada em nenhum lugar. Para realizar isto, esforce-se na prática de procurar a mente, de tentar descobrir se há algum lugar de onde a mente ou o pensamento surja, onde permaneça e aonde vá ou deixe de ser.

Também se diz que a natureza verdadeira da mente é como um eco no espaço. Apesar de não poder ser localizada, ela pode ser reconhecida. O exemplo do espaço (nam-kha) é um dos melhores para introduzir o dharmata, a verdadeira natureza dos fenômenos. Primeiro, nosso reconhecimento não será vasto como o espaço. Isto é algo que acontece naturalmente enquanto aprendemos a deixar o apego e fixação (dzin-ba) que amarram e estreitam nossa experiência da Visão.

Para apontar a natureza da mente, eu gosto especialmente de usar estas palavras curtas de Sakya Pandita: "No meio de dois pensamentos, uma continuidade inquebrantável de luminosidade clara."

Quando o último pensamento passou, mas o próximo pensamento ainda não surgiu, há um intervalo, um estado livre de pensamentos (tog-me ngang). Apesar de este estado ser livre de pensamento, ele não é um estado branco, sem conhecimento. Há um aspecto de conhecimento (sal-cha) que experiencia tudo. Quando isto é reconhecido no estado livre de pensamentos, ele é na realidade uma continuidade contínua de luminosidade clara (ö-sal gyün-mi che-pa).

Uma vez reconhecida, esta continuidade de luminosidade clara é rapidamente perdida por nós, apesar de sempre permanecer. Ela é perdida, pois novamente caímos do estado livre de pensamentos e nos tornamos envolvidos com o pensamento. Então, devemos aplicar o significado das palavras de Sakya Pandita, de novo e de novo. Retornamos ao estado entre dois pensamentos, reconhecendo a essência vazia de nossa mente. Este estado livre de pensamentos deve ser penetrado sem qualquer apego ou agarramento à experiência de vacuidade.

A qualidade do conhecimento vazio sem apego (sal-tong dzin-med), que permanece dentro do estado livre de pensamentos, precisa apenas ser reconhecida. Agora, devemos permanecer neste reconhecimento e não permitir que sejamos distraídos pelos pensamentos. Quando nos tornamos distraídos, novamente aplicamos o significado das palavras de Sakya Pandita. Para qualquer pensamento ou sentimento que surja, novamente olhe para a sua mente e reconheça a vacuidade. O pensamento desaparece no reconhecimento da vacuidade.

Este é um ponto chave da continuidade na prática. É assim que podemos aprender a reconhecer e começar a praticar a sustentação da Visão (ta-wa kyong-wa). Este é o significado da prática da Visão de acordo com a tradição Sakya. Também é o significado da Grande Perfeição (dzog-pa chen-po, dzog-chen) e do Grande Selo (mahamudra, chag-gya chen-po).

A prática de sustentação da Visão requer um tipo especial de diligência. No início, nosso reconhecimento da vacuidade não dura muito porque somos rapidamente distraídos e nos tornamos envolvidos com o pensamento dualista (nam-tog). Se não percebermos isto, não retornaremos à Visão. Então, precisamos de uma presença atenta (dren-she). Sem este tipo especial de diligência, a Visão não será sustentada.

A presença atenta é uma combinação de atenção e vigilância. Atenção (dren-pa) significa lembrar-se da essência de sua mente (rang-gi sem ngo-wo), que é a vacuidade (tong-pa-nyid). Em adição à lembrança de reconhecer a vacuidade, o aspecto de claridade (sal-cha) de nossa mente também continua a funcionar pelo conhecimento do que está acontecendo ao nosso redor e dentro de nossa mente.

Como uma função de nossa claridade, a vigilância (she-zhin) percebe o que está acontecendo e também percebe quando estamos distraídos (nam-par yeng-wa) ou quando nos envolvemos em pensamentos (nam-tog). Então, uma vez que tenhamos percebido que perdemos a atenção à essência, mais uma vez a atenção (dren-pa) nos retorna à essência de nossa mente.

Agora podemos entender o significado da qualidade da presença atenta (dren-she) necessária para sustentar a Visão. É o ponto chave de ser diligente em nossa prática de sustentar a continuidade da Visão (ta-wa gyün-kyong).

Retornar ao intervalo entre dois pensamentos, a essência vazia de nossa mente (sem-gyi ngo-wo tong-pa), é o aspecto da permanência calma (shamatha, shi-ne). Reconhecer a luminosidade clara, que tem a qualidade de ser livre de pensamentos, conhecimento vazio sem apego (sal-tong dzin-me), é o aspecto da visão clara (vipashyana, lhag-tong).

Fonte: http://sakyabrasil.org/ensinamentos/chogye3.htm

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