Friday, August 11, 2006

Jóia-Coração dos Afortunados, Uma introdução ao Dzogchen, a Grande Perfeição

Kyabje Dudjom Rinpoche
Kyabje Dudjom Rinpoche

Homenagem a meu professor!
O Grande Mestre de Oddiyana disse certa vez:
Não investigue a raiz das coisas,
Investiga a raiz da Mente!
Quando a raiz da mente for encontrada,
Conhecerás uma coisa apenas,
Ainda assim todas as outras serão liberadas.
Mas se falhares em encontrar a raiz da Mente,
Conhecerás tudo mas não compreenderás nada.

Quando começares a meditar sobre a mente, senta com o corpo reto, permitindo que a respiração venha e vá naturalmente, e com os olhos nem fechados nem muito abertos, olha no espaço a sua frente. Pensa contigo que é pelo bem de todos os seres que foram tuas mães que observarás o Estado Desperto, a face de Samantabhadra. Reza fortemente a teu professor raiz inseparável de Padmasambhava, o Guru de Oddiyana, e mescla tua mente com a dele, repousando num estado meditativo equilibrado.

Uma vez tendo assim repousado, porém, não permanecerás por muito tempo neste estado desperto vazio e claro. Tua mente começará a movimentar-se e tornar-se-á agitada. Ela vai pular e correr para cá, para lá e por todos os lados, como um macaco. O que estarás experimentando neste momento não é a natureza da mente, mas apenas pensamentos. Se ficares com eles e seguí-los, descobrir-te-ás lembrando todo tipo de coisas, pensando sobre todo tipo de necessidades, planejando todo tipo de atividades. É precisamente este tipo de atividade mental que no passado sugou-te para o negro oceano do samsara. E não há dúvida que fará o mesmo no futuro. Seria melhor que pudesses cortar completamente esta interminável ilusão negra de teus pensamentos!

Agora, suponhamos que tenhas sido capaz de quebrar tua cadeia de pensamentos, como é o estado desperto? É vazio, límpido, belíssimo, leve, livre, alegre! Não é algo amarrado ou demarcado pelos próprios atributos. Não há nada em todo o samsara ou nirvana que ele não abarque. Dos tempos sem princípio, nos é inato; nunca estivemos sem ele, ainda assim está completamente além dos limites de ação, esforço e imaginação.

Mas como é, perguntas, reconhecer o estado desperto, a face de rigpa? Bem, apesar de poderes experimentá-la, simplesmente não conseguirias descrevê-la. Seria como um mudo tentando descrever seus sonhos! É impossível distinguir entre ti mesmo repousando no estado desperto e o estado desperto que estás experimentando. Quando repousas bem naturalmente, desnudo, no ilimitado estado desperto, todos estes pensamentos rápidos, persistentes, que não ficam quietos sequer por um instante - todas estas memórias, todos estes planos que causam tantos problemas - perdem seu poder. Desaparecem no amplo céu sem nuvens do estado desperto. Despedaçam-se, destroem-se, desaparecem. Toda a força que têm é perdida no estado desperto.

Tens de fato este estado desperto em ti. É a sabedoria límpida, desnuda, do dharmakaya. Mas quem pode apresentar-te a ela? A partir de onde a perceberia? Do que deverias ter certeza? Para começar, é teu professor que te revela o estado desperto. E quando o reconheces por ti mesmo, é que és apresentado a tua própria natureza. Então, com a compreensão de que todas as aparências tanto do samsara quanto do nirvana são apenas a manifestação do teu próprio estado desperto, permaneça apenas no estado desperto. Assim como as ondas que sobem do mar e então retornam a ele, todos os pensamentos retornam para o estado desperto. Esteja certo de sua dissolução, e como resultado encontrar-te-ás num estado profundamente destituído tanto de meditador quanto de algo a ser meditado - completamente além da mente que medita.

"Ah, nesse caso," poderias pensar, "não há necessidade de meditar." Bem, posso assegurar-te que de fato há uma necessidade! O mero reconhecimento do estado desperto não o libertará. Por vidas desde os tempos sem princípio tens estado envolvido em crenças falsas e hábitos deludidos. Desde então até agora passou cada instante da tua vida como o escravo miserável e patético de teus pensamentos! E quando morreres, não é nem um pouco certo para onde irás. Seguirás teu carma, e terás que sofrer. Esta é a razão pela qual tens que meditar, continuamente preservando o estado desperto a que fostes apresentado. O onisciente Longchenpa disse: "Podes reconhecer tua própria natureza, mas se não meditares e acostumar-te a ela, serás como um bebê abandonado no campo de batalha: serás carregado pelo inimigo, teus próprios pensamentos!" Em termos gerais, meditar significa familiarizar-se com o estado de repousar na natureza ilimitada primordial, através de estar espontaneamente, naturalmente, incessantemente presente. Significa acostumar-se a deixar o estado desperto completamente só, despido de toda a distração e apego.

Agora, como nos acostumamos a permanecer na natureza da mente? Quando os pensamentos vierem enquanto estiveres meditando, deixe-os vir; não há necessidade de considerá-los teus inimigos. Quando surgirem, relaxe no seu surgimento. Por outro lado, se não surgirem, não fique nervosamente divagando se surgirão. Apenas repouse em sua ausência. Se, durante a meditação, grandes e bem-definidos pensamentos repentinamente surgirem, é fácil reconhecê-los. Mas quando suaves movimentos sutis ocorrem, é difícil perceber que estão ali até que seja tarde demais. Isto é o que chamamos namtok wogyu, as correntes sutis de divagação mental. Este é o ladrão da meditação, portanto é importante manter uma vigilância cuidadosa. Se consegues permanecer constantemente presente, tanto na meditação quanto depois, quando estás comendo, dormindo, caminhando ou sentado, então é isto; conseguistes!

O Grande Mestre Guru Rinpoche disse:

Centenas de coisas podem ser explicadas, milhares descritas
Mas uma coisa apenas deverias reconhecer.
Conhece esta única coisa e tudo é liberado - Permanece na tua natureza intrínseca. Estejas presente!



Também diz-se que se não meditares, não atingirás a certeza; se meditares, a atingirás. Mas que tipo de certeza? Se meditares com um esforço cheio de júbilo, sinais aparecerão revelando que acostumaras-te a permanecer em tua natureza. Aquele violento apego claustrofóbico que tens aos fenômenos, experimentados de forma dualista, gradualmente se soltará, e tua obsessão com a felicidade e o sofrimento, medos e esperanças, etc. vagarosamente enfraquecerão. Tua devoção ao professor e uma confiança sincera em suas instruções crescerão. Depois de um tempo, tuas atitudes tensas e dualistas evaporarão e chegarás ao ponto onde ouro e pedras, comida e nojeira, deuses e demônios, virtude e não-virtude serão para ti a mesma coisa - não saberás distinguir entre o céu e o inferno!

Mas enquanto isto, até que alcances este ponto (enquanto ainda estiveres preso nas experiências da percepção dualista), a virtude e a não-virtude, os campos-de-budas e os infernos, a felicidade e a dor, as ações e seus resultados - tudo isto será realidade para ti. Como o Grande Guru disse, "Minha visão é mais elevada do que o céu, mas minha atenção às ações e seus resultados e mais fina do que a farinha."
Então não saias por aí dizendo que és um meditante Dzogchen enquanto tudo que és é um panaca peidorreiro!

É essencial que tenhas uma fundação estável de devoção pura e samaya, juntamente com um forte esforço jubiloso que seja bem equilibrado, nem muito solto nem muito tenso. Se és capaz de meditar, completamente abandonando as atividades e preocupações desta vida, é certo que atingirás as qualidades extraordinárias do caminho profundo do Dzogchen. Porque esperar as vidas futuras? Podes conquistar a cidadela primordial agora mesmo, no presente.

Este conselho é o próprio sangue do meu coração. Mantenha-o bem e nunca o esqueça!

...

Kyabje Dudjom Rinpoche (1904-1987) foi o líder da escola Nyingma do Budismo Tibetano. A pedido de Sua Santidade o Dalai Lama, assumiu esta liderança no exílio em 1959, assegurando a preservação desta tradição ancestral. Ele foi um professor Dzogchen para muitos lamas importantes, incluindo o próprio Dalai Lama, e foi um dos principais responsáveis pela transmissão do budismo vajrayana ao ocidente.

Este texto é de "Counsels from My Heart", Shambhala Publications © 2001. Tradução ao português é de Padma Dorje, 2 de novembro de 2003.


Fonte: http://br.geocities.com/samdrubling/dzogchen.htm

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